“Há um significado mais profundo nos contos de fadas que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina” Schiller
Histórias são bálsamos medicinais, basta prestar um pouco de atenção. Elas trazem alegrias, tristezas, anseios, compreensões, e porque não reflexões para nossa vida. Elas estão cheias de instrução sobre o que acontece em nossa vida.
Com contos de fada podemos despertar a curiosidade da criança, muito além do entreter, desenvolver a imaginação e as emoções, eles fazem com que a criança viva uma experiencia, sem ter propriamente vivido, essa é a razão pela qual a criança gosta de ouvir a mesma história por várias vezes seguidas. A criança vive a dor do personagem, as alegrias, as artimanhas e assim vão desenvolvendo novas habilidades, harmonizando suas ansiedades e aspirações, reconhecendo as dificuldades, tornando clara suas emoções.
É bem verdade que os contos de fada, por serem tão antigos, estão desatualizados para nossa realidade, nossa vida moderna da sociedade de massa, no entanto, os problemas vivenciados nos contos ainda refletem problemas íntimos que os seres humanos enfrentam até hoje. Como a criança está exposta a cada momento à nossa sociedade, ela aprenderá enfrentar suas condições, desde que em seu íntimo, lhe possibilitem isso.
As histórias conversam com a criança, afloram e encorajam seu desenvolvimento e aliviam as pressões que ela mesmo desconhece, preparando-a para enfrentá-los.
As histórias falam das pressões que vivemos e oferecem exemplos de solução para tal, ajudam a superar seus dilemas, rivalidades e dependências aumentando a auto estima, porque ajudam com que a criança entenda o que está se passando dentro dela. Nossa cultura tende a fingir que a humanidade é boa, que o lado obscuro do homem não existe. Os contos de fadas vem para transmitir a mensagem de que isso não é verdade, de uma forma variada ele traz vilões e bandidos, uma luta contra as dificuldades graves e inevitáveis da vida e, para além desse ponto, os mocinhos e heróis, a pessoa que não se intimida, que se defronta com as provações e as enfrenta dominando os obstáculos e se tornando vitoriosa.
As histórias mais modernas tendem a evitar esse tipo de confronto, elas não mencionam morte, envelhecimento ou desejos de vida eterna, já os contos de fadas, confrontam a criança em suas dificuldades humanas básicas. Muitas histórias se iniciam com a morte da mãe (Branca de neve), um idoso que decidi que um dos filhos deve tomar conta dos negócios da família (As três penas), alguém que não pertence à família (O patinho feio), é bem característico dos contos de fadas, dilemas a serem resolvidos, isso facilita para a criança a compreensão dos problemas existenciais, simplificando a situação.
Basicamente todos os contos de fada apesentam o bem e o mal e a propensão em que está presente no homem, uma dualidade que coloca o problema moral e necessita de uma luta para que seja resolvido. O mal simboliza o poderoso, o Dragão, a Bruxa, o Gigante, que muitas vezes, tomam o lugar do herói. Não é pelo fato do malfeitor ser punido no final da história, que torna o conto de fadas uma experiencia de educação moral, mas convicção de que o crime não compensa, que é um meio de inibição muito mais efetivo.
Não é o fato de vencer no final da história que promove a moralidade, mas o fato de que o herói é infinitamente mais atraente que o vilão, fazendo com que a criança se identifique com ele. Ao se identificar com o herói, a criança, vivencia as dores, as perdas, o triunfo, e ela saí da estória, vitoriosa, junto com seu herói.
Os personagens nunca são ambivalentes, eles são completamente bons ou completamente maus, sem meio-termo. Um irmão é trabalhador o outro e preguiçoso. Uma irmã e tola e a outra esperta. Um é bonito outro é feio. Essa polarização permite a criança identificar facilmente a diferença entre elas, o que não acontece com todas as complexidades da vida real.
A criança também se identifica, com o personagem, sabendo que necessita fazer opções sobre o que ela deseja ser, a decisão básica fica facilitada pela polarização do conto de fadas. As escolhas não se baseiam na dualidade certo x errado, mas sim em quem desperta o interesse, a simpatia ou antipatia do personagem, pela condição do personagem, pelo apelo positivo que ele traz, a criança, então, se projeta nesse personagem e quer ser como ele.
Os contos de fadas “amorais”, que providenciam o sucesso do herói por meio de trapaça ou roubo, promovem a escolha não entre o bem e o mal, mas, dando a esperança de que mesmo o mais submisso pode ter sucesso na vida. O acreditar na possibilidade de vencer as dificuldades, já é um problema existencial importante.
Toda criança está sujeita ao medo da solidão ou abandono, na maioria das vezes ela não consegue expressar isso com palavras, ou ela o faz indiretamente quando tem medo do escuro, medo de algum animal, uma angústia acerca de seu corpo. Uma vez que reconhecer as angústias do filho causa desconforto aos pais, este, acaba por subestimar os medos verbalizados, acreditando que isso encobrirá os medos da criança.
Os contos de fadas se dirigem diretamente às angústias e dilemas da criança. A necessidade de ser amado, de ter valor, o amor pela vida e o medo da morte, oferece soluções de fácil compreensão para a criança no seu nível.
O final “E viveram felizes para sempre”, ao contrário do que se pensa, não iludi a criança, mas indica a única coisa que pode tornar menos dolorosa, os limites reduzidos de nosso tempo na terra, a construção de um vínculo verdadeiro e satisfatório com alguém. Uma visão menos informada pode dizer que essa mensagem é irreal.
“Só partindo para o mundo e que o herói do conto de fadas (a criança) pode se encontrar nele; e, fazendo-o, encontrará também o outro com quem será capaz de viver feliz para sempre, isto é, sem nunca mais experimentar a angústia da separação.” Bruno Bettelheim
As crianças hoje em dia não crescem mais no meio de famílias numerosas ou mesmo em uma comunidade bem integradas, como antigamente, é importante colocar essa imagem do herói para a criança. O herói no início está sempre sozinho ou em companhia de algum animal, árvore ou da natureza, conforme ele avança outros personagens chegam para integrar-se à história, a criança moderna com frequência se sente isolada, e de certa forma, se sente mais em contato com animais e natureza do que a maioria dos adultos. O destino do herói então a convence de que mesmo que se sinta rejeitada ou abandonada no mundo, no decorrer da vida ela irá recebendo o que de fato necessita.
Assim como obras de arte, o conto de fadas tem um significado diferente para cada pessoa, e em diferentes momentos da vida, ao reler a história, essa ganhará outro sentido, ampliando velhos significados ou substituindo-os por novos. Não temos como saber em qual fase da vida, este ou aquele conto, terá mais importância para a criança, somente ela própria, é que acaba por revelar uma reação emocional referente ao conto.
O pai normalmente lê para seu filho uma história que ele mesmo gostava quando criança, se esse filho, não se sente atraído é porque ele ainda não despertou para a resposta desta história, nesse momento de sua vida. Logo a criança dará sinais de que se interessa mais por uma história de que por outra, e pedirá para que seja lida varias vezes seguidas, um entusiasmo contagioso que se tornará importante inclusive ao pai, não pelo significado da história, mas pela criança. Então, chegará o momento onde a história perde o interesse para a criança, ela terá obtido tudo o que desejava daquela história, ou os problemas relacionados com essa história, cessaram ou terão sido substituídos por outros e ela se voltará para outra história, por isso se faz importante seguir a indicação da criança quando for escolher a história.
Explicar para a criança qual a importância dos contos de fadas, destrói o encantamento pela história a ponto de a criança não entender o porquê se sente maravilhada. As interpretações do adulto, por mais corretas que sejam, roubam da criança a oportunidade de descobrir por ela própria, por meio das repetições e ruminações da história que está sendo lida.
Muitos contos antigos trazem “instruções” para mulheres, sobre sexo, amor, casamento, dinheiro, etc., muitos desses contos, acabaram sendo extintos ou modificados, justamente por essa razão. Remodelados para que perdessem o seu vigor.
Em dado momento da história, as mulheres, passaram a ser exploradas e dominadas, após a segunda guerra mundial elas passaram, também, a ser infantilizadas. Uma ou outra escrevia ou pintava, embora sem receber reconhecimento, mas, nutriam a alma. As mulheres tinham que lutar por seus espaços e materiais. A dança não era tolerada e elas tinham que dançar nas florestas escondidas para que ninguém as visse. A mulher moderna, sofre pressões por todos os lados, ela deve ser tudo para todos.
Os contos de fadas, os mitos e as histórias, proporcionam uma compreensão aguçada para que as mulheres possam escolher o caminho deixado pela sua natureza. As histórias têm instruções de que o caminho ainda não chegou ao final, caminhos que levam a mulher mais longe, na direção do auto conhecimento. Às vezes, as camadas culturais desorganizam as histórias, os elementos sexuais são omitidos, animais e criaturas acabam se transformando em monstros e isso altera a história original.
Para além do desmanche estrutural das versões existentes dos contos, um padrão iluminado e definido, permanece e é a partir desse padrão, que podemos reconstruir a história. Tudo o que podemos precisar, ainda está presente nos esqueletos dessas histórias, como se fosse um sussurro. Quanto mais inteira a história, maior o número de mudanças e desenvolvimento apresentará.
Há muitos modos de se abordar uma história, o folclorista, o teólogo, o etnólogo, antropólogo, arqueólogos, analistas uns cantam outros contam, cada qual com seu método tanto na aplicação quanto na reunião a elas atribuída. As histórias conferem movimento a vida interior, e isso tem especial importância se a pessoa sente-se encurralada, assustada ou presa. As histórias fazem a adrenalina correr, movimentam as engrenagens, mostram saídas para as dificuldades, levam-nos a fantasias, que conduzem ao amor e aprendizado, devolvendo a vida.
Da mesma forma que as histórias de fadas tem diferentes efeitos para diferentes crianças, cada história traz uma reflexão diferente, ou um novo caminho a percorrer na vida de quem o lê. De nada adianta insistirmos para que o outro tire conclusões como as nossas, se suas fantasias estão bloqueadas, se sua imaginação não vai além das letras no papel.
Agradeço sua visita,
Selma Bueno Alves
Psicóloga Clínica
Pós graduanda em Neuropsicologia
CRP 02/22741
Referências
A Psicanálise dos Contos de Fadas / Bettelheim, Bruno ; tradução de Arlene Caetano _ São Paulo: Paz e Terra. 2007. 21ª edição revista.
Mulheres que correm com os Lobos : Mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem / Clarissa Pinkola Estés ; tradução Waldéa Barcellos. – 1ª ed. – Rio de Janeiro: Rocco, 2014
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