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Foto do escritorSelma Bueno Alves

UMA SOCIEDADE ENLUTADA

Atualizado: 13 de jan. de 2021

A morte se espalhou pelo mundo, o novo coronavírus parece ter vindo para reajustar uma sociedade que, antes doente de consumo, agora, oferece com uma causa mais nobre para nos preocuparmos. A doença pode atingir qualquer pessoa, qualquer classe social, alguns dizem ser “doença de rico que veio para atingir o pobre”. Por acreditarem que os viajantes é que espalharam a doença pelo mundo. Na realidade, é mais provável ter vindo da fome, da cidade chinesa de Wuhan, na China onde nasceu, alguém sem condição alguma de fazer uma refeição descente, e com fome, se alimentou de um morcego contaminado, comercializado no mercado da cidade, contraindo a doença, através de seus contatos iniciou a transmissão da contaminação, que hoje atinge com tristeza quase todos os países do mundo.




Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de um tipo de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. Uma semana depois, em 7 de janeiro de 2020, as autoridades chinesas confirmaram que haviam identificado um novo tipo de coronavírus. Os Coronavírus são a segunda principal causa de resfriado comum, logo após rinovírus e, até as últimas décadas, raramente causavam doenças mais graves em humanos do que o resfriado comum.


Em 11 de fevereiro de 2020, recebeu o nome de SARS-CoV-2. Esse novo coronavírus é responsável por causar a doença COVID-19 e, em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII), uma pandemia, o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto no Regulamento Sanitário Internacional. Buscando cooperação e solidariedade global para interromper a propagação do vírus.

Os primeiros casos do COVID-19 foram vinculados a um mercado de animais vivos em Wuhan, China, sugerindo que o vírus foi inicialmente transmitido de animais para seres humanos. A transmissão interpessoal ocorre pelo contato com secreções contaminadas, principalmente pelo contato com grandes gotículas respiratórias, mas também pode ocorrer por meio do contato com uma superfície contaminada pelas gotículas respiratórias; não está claro se a infecção pode ser adquirida por via fecal-oral ou qual o papel dos aerossóis na transmissão.


O coronavírus trouxe a tona a importância com cuidados básicos de higienização. A maneira mais eficaz de proteger-se e proteger a outros é limpar frequentemente as mãos com água e sabão ou álcool 70°, cobrir a boca ao tossir ou espirrar (dentro da blusa, em direção ao cotovelo ou com um lenço) e manter uma distância de pelo menos 1 metro das pessoas que estão tossindo ou espirrando, potenciais transmissores.

Ao sentir os sintomas deve-se ir a uma UBS para avaliação, com sintomas simples a pessoa pode voltar para casa onde vai manter-se em isolamento por 7 dias, o sistema de saúde deve contatar esse paciente a cada 48 horas averiguando os sinais de melhora ou piora. A média é de 14 dias de observação, se ocorrer a piora o sistema de saúde deve buscar esse paciente e levar para internação em enfermaria de observação ou UTI dependendo dos sintomas apresentados. Em média a pessoa pode passar 21 dias internada em enfermaria especifica e/ou em UTI podendo evoluir para alta ou para óbito.


A Covid-19 é uma síndrome respiratória que evolui rapidamente para pneumonia, se não tratada adequadamente, por isso a urgência em detectar os contagiados. Pessoas com problemas cardíacos e respiratórios, fumantes, idosos precisam de atenção especial. A pessoa com baixa imunidade ou com comorbidades precisam de atendimento urgente, se os sinais não desaparecerem entre 12 a 24 horas ela pode evoluir rapidamente para pneumonia, no Brasil chamada Pneumonia comunitária, onde se fará necessário a internação em enfermaria especial ou UTI com intubação.

Quando o sujeito evolui para alta, ele volta para casa recebe os cuidados e amor da família, mas, caso o contrário aconteça, se essa pessoa evolui para óbito ela passa a fazer parte das estatísticas. Vai ser sepultada com urgência, sem direito a ser velada, como estamos acostumados a fazer por ocasião de uma morte. Temos visto que poucos parentes poderão estar presente nesse sepultamento. Sem identificação desse morto ou reclamação do corpo por parte de parentes ou amigos, não será possível saber o local desse sepultamento. Algumas cidades, com maiores índices de mortes, já fazem uso de valas coletivas onde pessoas são sepultadas sem identificação lado a lado em cova única.


Sem direito aos corpos de seus mortos, como se portam ou portarão os sobreviventes? A visão do corpo no velório confirma a morte, um balsamo para aliviar suas dores e firmar o acontecido dando início ao processo de luto.


Em tragédias ou desastres onde não se encontram os corpos ou onde não se consegue identificar esses corpos, encontramos esse tipo de dor. Na situação atual o sujeito vê seu ente querido sair de casa com sintomas de gripe, sabe do agravamento desses sintomas, mas , com o isolamento, não tem permissão para ver essa pessoa. Sem o contato caso venha a óbito, será sepultada sem que se saiba, ou mesmo sabendo, sem ter a possibilidade de uma despedida ou algum ritual como usualmente se faz.

Através do ritual o familiar demarca a entrada no luto reconhecendo a importância da pessoa que se foi e qual importância ela tinha em sua vida é um marco tanto de entrada nesse luto, quanto de saída, quando o luto se dissipa e o falecido passa a fazer parte do cotidiano sem causar dor ao enlutado.


Existem notificações de rituais de morte desde a pré história, o tema do ritual está ligado ao modo como a pessoa resolve questões relativas ao próprio desenrolar da vida social do qual a morte faz parte. Faz parte da elaboração da perda. O ritual pode se iniciar em um gesto mecânico, como lavar o corpo, velar, enterrar ou cremas o cadáver, mas se prolonga para além do simbólico em todos os sentidos, é como se houvesse ali uma comunicação ou uma última ligação com o morto.


Para Imber-Black (1998), os rituais de luto apresentam como funções: marcar a perda de um dos membros da família; afirmar a vida como foi vivida pelo que morreu; facilitar a expressão do luto conforme os valores da cultura; falar sobre a morte e sobre a vida que continua expressando significados; apontar uma direção que faça sentido diante da perda e da continuação da vida dos que ficaram.


Para Maria Julia Kovacs (2005) existe um paradoxo relacionada a morte nos dias atuais, ao mesmo tempo em que a morte está cada vez mais próxima das pessoas, através da mídia, há um interdito sobre o tema, Observa-se que a televisão introduz diariamente em milhares de lares cenas de morte e todo tipo de violência, acidentes e doenças sem, no entanto, haver possibilidade de que esse conteúdo seja elaborado.

Chorar seus mortos tem sido uma tarefa difícil. O sepultamento desses mortos, já não é mais da mesma forma que há quatro meses. Não se ouve falar de enlutados, não temos tempo, essa tem sido uma tarefa solitária, muitas vezes em sua casa, sem ter acesso ao corpo do morto, sem saber o local onde foi enterrado, em silencio.

A morte torna-se companheira dessa pessoa “reina uma conspiração do silêncio” (Kovács, 2005, p. 486)


Algumas pessoas ainda não acreditam que isso está acontecendo dessa forma gigantesca, chegamos hoje 11 /04/2020 há 105.000 mortes no mundo, em apenas quatro meses, uns ignoram a realidade do outro, outros fingem que não a vê e outros sofrem solitários. A seta ascendente ainda pode ser vista pelo mundo, somente a China parece ter estabilizado e em alguns outros locais parece ainda não ter chegado.

Há quem consiga, após uma tragédia coletiva ou individual, deixar a negação e chegar à aceitação, talvez passando pela barganham raiva e depressão no luto pelo fim da pessoa, ignorando quem ela era, mas a grande maioria dos enlutados tem um processo doloroso de perda que se inicia na doença, passa pela morte, se confirma no velório e sepultamento. Essas pessoas têm certa dificuldade em aceitar que outros não sintam a mesma dor que ela sente ou que essas pessoas não se importem com a dor da mesma forma que ela. O que aumenta e dificulta ainda mais a dor do enlutado.


Nos estudos de Elisabeth Kubler Ross existem cinco fases descritas para o luto. Fases estas que poderiam ser identificadas nas reações psíquicas dos pacientes, seriam negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. As fases do luto não têm uma ordem específica para acontecer, mas a pessoa passa uma a uma até que se completem. A negação seria o fato de negar o que está acontecendo, a morte a doença, uma mudança de situação social. A raiva seria a procura do motivo pelo qual essa situação está acontecendo. A depressão vem com a pergunta “por que está acontecendo comigo?”, justificando um acontecimento por algo do seu passado, “eu não fui bom então isso acontece comigo agora”. A barganha vem como uma forma de resolver a situação “eu dou algo para Deus e ele me tira dessa situação”. A aceitação do fato é ter a certeza de que algo não se pode mais ser mudado, como a morte, não tem volta.


Dentre as pessoas que vivem a pandemia vemos pessoas que ainda não aceitam o fato de que podem ser contaminadas, NEGAM a pandemia acreditando ser coisa de políticos para derrubar o governo, confabulam, ou que a pandemia é algo distante que não se aproximaria dela, muitos são jovens que acreditam não fazerem parte do grupo de risco. Pessoas com RAIVA por terem seus empregos tomados, por serem obrigadas a pararem suas vidas em um momento em que já estava muito difícil seguir adiante, ou que estavam finalmente estabilizadas. Pessoas com DEPRESSÃO e ANSIEDADE pensando talvez, na situação geral atual, nas mortes, na possibilidade de se contaminar, na possibilidade de perder um ente querido, de não terem seu sustento nos mesmos parâmetros de volta. Quantos não estão BARGANHANDO por sua vida, enclausurados, isolados em suas casas orando e pedindo a Deus pela família e pela humanidade. Aceitar as dificuldades, se cuidar, cuidar do próximo, fazer o básico por sua higiene em casa e divulgar os meios de proteção corretos educando o outro, seria a ACEITAÇÃO da situação.

Quantas pessoas que não conseguem ficar em quarentena, pelo mundo e saem as ruas buscando de alguma forma, alimento, companhia, calor do sol, buscando fora de suas casas o que não tem dentro. Por mais que sejam avisadas, vão as ruas para fazer compras, trabalhar, fazer atividade física, vão a encontros nas praças, muitas inclusive, não acreditam que isso possa acontecer nos espaços que frequentam, ignorando qualquer aviso. A realidade não é a mesma para todos, cada um tem sua visão de mundo e da contaminação, talvez acreditem ser imunes ao vírus ou, ao não sentir os sintomas, acreditando ser uma gripe qualquer sem imaginar que podem ser portadores.


O luto assemelha-se a uma ferida aberta, pode ser referido como um choque, ele pode ter complicações e despertar outras doenças. A experiência do luto pode trazer força e amadurecimento ao enlutado. A dor do luto é parte da vida e da alegria de viver é o preço que pagamos pelo amor. O luto é um processo, não um estado, não é um conjunto de sintomas que tem início após a perda, mas uma sucessão de quadros clínicos que se aparecem mesclando e substituindo-se. Um entorpecimento que dá lugar à saudade e a procura pelo outro, desorganização e desespero a caminho da recuperação.


A ordem das fases do luto depende do que a pessoa está vivenciando agora e podem acontecer fora ordem, misturadas. Até o momento as pessoas estão lutando por suas vidas, pouco se pode dizer sobre os sobreviventes dessa pandemia até agora. Quando as mortes sessarem, quando a contaminação for contida, por vacina ou medicação específica, quando as internações não forem mais necessárias, quando pudermos respirar aliviados pela nossa própria vida, então, prestaremos atenção às histórias dos enlutados solitários e as suas dores, dos que perderam seus entes queridos sem poder fazer qualquer ritual ou mesmo sepultá-los.


O luto é um processo necessário ele é fundamental para preencher o vazio deixado por qualquer perda significativa. Toda doença tem a função sagrada de fazer você entrar em contato com sua essência, você e você mesmo, e mudar os seus valores. Precisamos estar preparados para que ao final da pandemia, essas dores possam ser ouvidas e acolhidas, trazendo conforto aos sobreviventes.


Não fazemos ideia do montante gasto com a pandemia, ajuda médica para os doentes, construção de hospitais, ajuda financeira para os sobreviventes e para os empresários. A economia está parada, não se produz quase nada além de insumos médico. Já se vê mudanças no meio ambiente, animais voltando às cidades e a poluição diminuindo em alguns locais. Quando pudermos prestar atenção novamente à vida, iremos perceber que talvez, estejamos pagando um preço muito alto por nossa ganância e pelo descuido com a natureza, que , parece agora, vir nos cobrar. Difícil imaginar qual será o desgaste emocional nos sobreviventes, como cada um vai entender e contabilizar suas perdas.





Agradeço sua visita,

Selma Bueno Alves

Psicóloga Clínica

Pós graduanda em Neuropsicologia

CRP 02/22741

Referencias

Luto estudos sobre a perda na vida adulta, Colin Murray Parkes [tradução Maria Helena Franco Bromberg] - São Paulo - ed Summus 1998 (Novas Buscas em Psicoterapia; v 56) pag. 24 - 28


Kübler Ross, Elisabeth, 1926 - Sobre a Morte e o Morrer, o que os doentes têm para ensinar a médicos enfermeiros, religiosos e seus próprios familiares. Elizabeth Kübler Ross; [tradução Paulo Menezes] 7ª ed. – São Paulo: Martins Fontes , 1996.

Kovács, M. J. (1992). Morte e desenvolvimento humano. São Paulo: Casa do Psicólogo. [ Links ]


Kovács, M. J. (2003). Educação para a morte: Temas e reflexões. São Paulo: Casa do Psicólogo . [ Links ]


Kovács, M. J. (2005). Educação para a morte. Psicologia, Ciência e Profissão, 25(3), 484-497. [ Links ]


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